Especialista aponta problemas no projeto aprovado pela Câmara; prefeito do interior acusa "falta de transparência" e centralização do poder em Brasília
O projeto de reforma tributária, aprovado na madrugada de quinta para sexta-feira (7) pela Câmara dos Deputados, seguiu para o Senado. O texto, contudo, deve ser apreciado em agosto, após o recesso parlamentar. Para o tributarista Guilherme Di Ferreira, diretor da OAB de Goiás, a proposta precisa urgentemente ser aperfeiçoada pelos senadores, porque "foi votada sem o necessário conhecimento da sociedade". “Espera-se que, no Senado, [a votação] seja feita de uma forma mais responsável, pois se trata da tributação no nosso país e não podemos [concordar] que a votação de uma reforma tão importante seja tratada de forma leviana, sem a devida apuração de seus efeitos e real benefício aos consumidores”, afirmou o especialista em Direito Tributário do escritório Lara Martins Advogados.
Outro crítico em relação à tramitação acelerada é o prefeito de Ponto dos Volantes (MG), Leandro Santana (PSDB). No entendimento dele, faltou transparência e ainda há dúvidas em relação a possíveis perdas de seu município de 12 mil habitantes, localizado no Vale do Jequitinhonha. Segundo o prefeito, pontos importantes da reforma precisam ser esclarecidos e aperfeiçoados, principalmente os que envolvem a arrecadação.
“O que agora estão dizendo é que o que for consumido no município, o recurso vai ficar lá. O que é justo, porque antes ia para o local onde a empresa está. O que a gente pretende e espera é que tenha transparência nisso”, argumenta, ao r ao ressaltar que a prefeitura não dispõe de recursos para garantir que a arrecadação fique na cidade. "Portanto, o governo tem que mostrar, de forma clara para a gente, como de fato esse recurso vai ficar no meu município”, cobra Santana. “A gente ainda não viu, não sabe, como isso vai se dar”, completa.
A preocupação ultrapassa as divisas de Minas Gerais. O aumento do poder e da centralização da vida política e econômica nacional em Brasília, com a redução da capacidade de estados e municípios definirem suas próprias políticas tributárias, tem minado a confiança dos gestores locais em relação à aplicabilidade da reforma. Para prefeitos e governadores, se o projeto encaminhado ao Senado não for modificado, as políticas tributárias passariam a depender quase totalmente do crivo de um “conselho nacional”, instituído pelo projeto aprovado na Câmara.
Ainda que haja lacunas a serem preenchidas, a Confederação Nacional de Municípios estima que cerca de 98% dos municípios devem arrecadar mais com as novas leis tributárias em um período de 20 anos. 836 cidades são do estado de Minas Gerais, de acordo com a entidade.
Foi longe dos cantos mais pobres e carentes de investimentos que as novas leis tributárias foram relatadas pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), com o empenho pessoal do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Na outra ponta, o Palácio do Planalto costurou, em Brasília, o acordo através dos ministros de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e da Fazenda, Fernando Haddad. Homem de confiança de Lula, Haddad atendeu a solicitações de governadores que inicialmente se opuseram à PEC 45/2019, entre eles o de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP).
Recorde
Na véspera da votação da reforma tributária, o governo federal liberou mais de R$ 7 bilhões do Orçamento em forma de emendas parlamentares, beneficiando estados e municípios por indicação de deputados às suas bases eleitorais. Apenas em um dia, foram transferidos R$ 5,3 bilhões nas chamadas emendas PIX, valor recorde em termos de valor diário. Essa foi a maior movimentação do Palácio do Planalto desde que o modelo foi criado, há quatro anos. A emenda PIX é um recurso indicado por deputados e senadores e enviado diretamente para a conta indicada de estados e municípios. Processo que, segundo integrantes da oposição, não é transparente, pois não precisa de aval dos órgãos de fiscalização.
Com a decisão do governo, o dinheiro já começou a cair na conta das prefeituras e governos estaduais indicados pelos parlamentares. A transferência dribla os órgãos de controle e não é fiscalizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). De acordo com informações da Agência Senado, o modelo subiu de R$ 621 milhões em 2020 para R$ 7 bilhões neste ano, turbinado após o fim do orçamento secreto.