Autarquia busca parceiros para construção de tecnologias que reaproveitem os recursos hídricos frequentemente despejados após uso pessoal.
O desafio de manter suas atividades produtivas ou de subsistência em meio aos períodos de escassez hídrica já faz parte do cotidiano dos mais de 27 milhões de pessoas que habitam a região do semiárido brasileiro. Dados desta quinta-feira (14) do sistema Olho D’Água, do Instituto Nacional do Semiárido (INSA), mostram que o volume atual de água disponível atinge apenas 21,6% da capacidade total de armazenamento de água dos 452 reservatórios monitorados. Destes, 102 estão operando com volume abaixo de 10%.
O cenário, no entanto, deverá ganhar um aliado que pretende enfrentar os efeitos da seca sem abrir mão da sustentabilidade ambiental. É que a Sudene está em busca de parceiros para o desenvolvimento de tecnologias que permitam o reuso de águas cinzas domiciliares integrado com atividades produtivas e de segurança alimentar no semiárido. A iniciativa está cadastrada no sistema de convênios do Governo Federal (Siconv) e recebe propostas até o próximo dia 17.
A ideia é dar um novo destino à água que seria normalmente descartada. A Sudene pretende, com isso, estimular projetos que permitam a convivência rentável e ecologicamente equilibrada com as condições climáticas características do semiárido. Através do desenvolvimento tecnológico, espera-se destinar os recursos hídricos reaproveitados para atividades como irrigação, compostagem, cultivo de quintais produtivos, produção de palma forrageira, entre outras.
Após avaliação técnica da proposta escolhida e estruturação física do projeto, a Sudene avalia implantar o projeto nos domicílios de 80 famílias residentes na área do semiárido, com local ainda a definir. Estima-se que a primeira instalação deva ocorrer em dezembro deste ano. Ao todo, serão investidos cerca de R$ 550 mil.
Além de permitir a continuidade de atividades produtivas em meio ao cenário de déficit hídrico, os sistemas de reuso de água também trazem impactos positivos em outras áreas sociais. “Esse projeto vem integrar políticas de acesso à água com outras iniciativas setoriais que já estão sendo realizadas hoje no semiárido. Temos a preocupação de não apenas suprir a demanda por uma infraestrutura local para geração de renda, mas também atender outros aspectos que vão melhorar a qualidade de vida do pequeno agricultor”, explica a engenheira ambiental da Sudene, Ísis Moreira.
Na avaliação da Coordenação de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente da autarquia, os sistemas de reuso de água aplicados no semiárido podem melhorar a produção agrícola através da diversificação de culturas, trazendo impactos positivos na oferta de nutrientes na alimentação dos produtores. Também há benefícios nas condições ambientais locais, ao minimizar a contaminação do solo por meio de efluentes lançados diretamente no terreno das casas e contribuir para melhorar as condições sanitárias da habitação. “Daí a ideia de tentar transformar esta iniciativa em uma política pública, caso observemos bons resultados”, diz o engenheiro agrônomo da Sudene, Flávio Cavalcanti. Neste caso, a superintendência pretende oferecer a tecnologia como item complementar às iniciativas já existentes, como o Programa Cisternas (Ministério do Desenvolvimento Social) e o Água para Todos (Ministério da Integração Nacional).
A Sudene inspirou-se em alguns modelos que obtiveram êxito no reuso de recursos hídricos em domicílios do semiárido. Em Mossoró (RN), o Centro Feminista 08 de Março ganhou notoriedade nacional ao desenvolver um sistema de filtragem de águas cinzas para uso em irrigação de produções de um assentamento na zona rural de Upanema, município potiguar.
A água utilizada na limpeza das casas e na lavagem de roupas e pratos era transportada para uma caixa de passagem. Os processos de filtragem eram realizados por um tanque séptico e um filtro orgânico. A nova água era conduzida para um reservatório para, então, ser distribuída aos quintas produtivos por meio de um sistema de aplicação. A iniciativa venceu o Prêmio de Tecnologia Social da Fundação Banco do Brasil em 2015.
Também vem do Rio Grande do Norte mais um exemplo de inovação tecnológica sustentável. Trata-se do sistema Bioágua Familiar, iniciativa do Projeto Dom Helder Câmara em parceria com a Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA) e a organização não-governamental Assessoria, Consultoria e Capacitação Técnica Orientada Sustentável (ATOS). A filtragem era realizada por mecanismos de impedimento físico e biológico dos resíduos presentes na água cinza. A matéria orgânica produzida era biodegradada por uma população de microrganismos e minhocas, responsáveis pela retirada dos principais poluentes. A água de reuso, então, era utilizada por um sistema de irrigação de hortaliças, frutas, plantas medicinais e outros tipos de alimentos.