Por Manuel Román
Quando morreu, em 10 outubro de 2009, aos 73 anos, vítima de câncer de estômago, Luis Aguilé, levou para o “outro mundo” alguns segredos que não queria revelar na vida. Por exemplo, a identidade daquela mulher por quem ele estava muito apaixonado e que inspirou a mais popular de suas canções: "Quando eu deixei Cuba."
Luis María Aguilera Picca – que assim aparecia em seu passaporte com dupla nacionalidade, argentina e espanhola-, disse-me um dia que queria publicar suas memórias, propondo a possibilidade de que eu o ajudasse a escrevê-las. Mas o projeto foi atrasado e nunca foi executado, embora eu suspeite que talvez tenha deixado escritos biográficos, pelo menos inéditos. Algum tempo antes dessa oferta, enquanto viajava com ele em seu carro, ele inesperadamente me falou sobre sua apaixonada história de amor em Havana, à qual falarei mais tarde.
Luis Aguilé foi, em meados da década de 1960, um ídolo juvenil da música argentina. Por mais estranho que possa parecer para alguns, ele cantava rock and roll no estilo de Elvis Presley, vestindo calças justas e couro "uma merda". O que não o impediu de tocar melodias deliciosas do repertório de Bing Crosby e Frank Sinatra.
Sua popularidade transcendeu a outros países hispano-americanos. Em Cuba, varreu. Luis me contou que em 1959 conheceu em Havana um jovem compositor que o perseguia no rádio e na televisão. Farto do assédio, acabou cuidando dele. Era sobre Eduardo Davidson, que a todo custo queria que eu gravasse uma salsa pra ele.
Foi isso que Aguilé fez. Era "La pachanga", ao qual acrescentou uma frase da sua colheita: "Mamita que pachanga!" Foi ele quem o estreou, embora centenas de versões tenham sido feitas posteriormente. “E a minha frase apareceu em todos eles - o Luís referia-se a mim - o que mostra que fui o primeiro a dar a conhecer.
Essa e muitas outras canções fizeram do nosso protagonista uma figura em Cuba ainda governada por Fulgencio Batista. Lá ele ganhou muitos pesos, que não poderia tirar da ilha mais tarde, quando os revolucionários de Sierra Maestra tomassem o poder. Ainda não saíra de Havana tentando recuperar suas economias, e até mesmo um disco de ouro pela venda de seus discos, que haviam sido confiscados, quando tropeçou no elevador de um hotel ocupado pelos castristas com o próprio responsável pela as finanças do novo regime, o então tão mitificado Ernesto "Ché" Guevara.
O cantor explicou suas dificuldades e seu então poderoso interlocutor, sendo magnânimo e até seu admirador, chegou a este acordo com ele: isso lhe permitiria desbloquear suas contas bancárias ... com um desconto considerável. "Consegui resgatar - Luis me confidenciou - mil e quinhentos dólares dos dezesseis mil que ele tinha." E obrigado, porque outros como ele perderam tudo o que possuíam!
Aguilé, então com 23 anos, saiu em disparada de Havana, onde nunca colocaria os pés. Mas em sua memória e em seu coração ficaria uma memória imperecível: a de uma cubana que tocou sua alma.
Depois de alguns anos, eu me lembraria dela assim: "Jamais poderei morrer, meu coração não está aqui. / Lá está ele me esperando, ele está esperando eu voltar lá. / Quando saí de Cuba, saí da minha vida, saí do meu amor. / Quando saí de Cuba enterrei meu coração ... "
Naquela viagem noturna em seu carro pelas ruas de Madrid, no final dos anos 60, Luis Aguilé me confessou, dado o meu interesse em conhecer a identidade daquele amor cubano, apenas isto: “Tratava-se de uma mulher que, antes de mim a conhecia, tinha tido relações com Fidel Castro."
Luis não me disse mais nada sobre isso; nem mesmo o nome da pessoa que inspirou sua agora famosa canção, que compôs, como me garantiu, em dezoito minutos !, com seu violão, na casa de um amigo em Madrid.
Presumivelmente, já vinha elaborando letras e músicas em sua mente há algum tempo e, naquele encontro, as musas acabaram de dar forma àquela balada, da qual duzentas versões acabariam sendo feitas em quinze idiomas. Um dos mais conhecidos é o dos Sandpipers, célebre grupo folclórico norte-americano, que atingiu três milhões de cópias.
Mais de um milhão de cubanos exilados em Miami transformaram "Quando saí de Cuba" em uma espécie de hino patriótico. Durante muitos anos guardei aquela confiança sentimental de Luís Aguilé, mas não encontrando nela nada que o pudesse prejudicar, permiti-me publicar esta história num dos meus treze livros, "Canções da nossa vida", publicado em 1994.
Nada me dizia sobre o particular Luís, mas sim alguma coisa, alguns kalends depois. E é que aqueles exilados de Miami ficaram furiosos ao saber que a protagonista daquela canção simbólica para eles havia sido uma antiga namorada do ditador barbudo.
Pelo que percebi, isso prejudicou meu amigo Aguilé, que nunca me culpou por ter revelado seu segredo íntimo. Era um senhor, afável, de direita, contrário às ditaduras, amigo dos amigos, prova de qualquer mal-entendido, como este. Nunca pensei em dizer algo que lhe causasse problemas.
No entanto, em 2007, durante um coquetel na SGAE, ele me pediu, se eu concordasse, para assinar uma confissão pela qual, como pensei ter entendido, ele ficaria de fora daquela história com a namorada de Fidel. Combinamos nos encontrar para esse fim, mas ele nunca me telefonou, embora tivéssemos combinado algum outro compromisso social.
Receio, repito, que com sua morte em 10 de setembro de 2009, ele tenha tirado os detalhes daquela história de amor que inspirou sua canção mais conhecida; inclusive as vicissitudes que, supostamente, creio, o incomodaram com os exilados de Miami, que ainda sonham em voltar à sua ilha sem nunca esquecer "Quando saí de Cuba".
O texto original, redigido em espanhol, por Manuel Román, foi publicado no site Libertad Digital, em 10 de junho de 2013.